quarta-feira, 3 de abril de 2013

Gramsci e a “Figura” do Novo Príncipe


Gramsci em suas notas sobre a política de Maquiavel, classifica o livro “O Príncipe” como uma obra em que se fundem a ideologia política e a ciência política. Ambas retratadas de forma fantástica e artística, onde a razão incorpora-se a um governo, que segundo o autor, nada mais é do que a vontade coletiva. Tal governo, encarna em si um “mito” não um fantástico “deus” ou uma vil utopia, mas uma fantasia concreta, criada com um fim único, o de representar a vontade coletiva.

Assim, o Príncipe representa, o governo ideal, elemento da razão concreta, conduzido a necessidade do povo e o desejo do governante de se fundar um novo estado.

Segundo Gramsci: “O moderno Príncipe, o mito-príncipe, não pode ser uma pessoa real, um indivíduo concreto; só pode ser um organismo; um elemento complexo de sociedade no qual já tenha se iniciado a concretização de uma vontade coletiva reconhecida e fundamentada parcialmente na ação. Este organismo já é determinado pela desenvolvimento histórico, é o partido político: a primeira célula na qual se aglomeram germes de vontade coletiva que tendem a se tornar universais e totais” (1).

Dai, a importância do partido político no mundo moderno. Já que é nele, que nasce a vontade coletiva. Rompendo, assim, de forma definitiva o “mito” do governante do senso crítico.

O Partido Político assume um papel importante, no que concerne a representação da vontade coletiva. Assim, percebemos que não é no sindicato profissional. Mas, na atuação política, onde entra em jogo a ação prática, a realização da vontade coletiva.

Para Gramsci o Moderno Príncipe tem um importante papel histórico, que é o de propagar e organizar uma reforma intelectual, moral e econômica. Na verdade, ele deve encarnar os anseios do povo; ter o poder de conduzir o destino das massas.

Gramsci analisando a Ciência Política, percebeu que ela deve ser concebida no seu conteúdo concreto como um organismo em desenvolvimento. Por isso, ele parte do materialismo histórico e do pensamento de Maquiavel em relação “a questão da política, para chegar a tal conclusão. Diferentemente do pensamento religioso e da moral cristã, os princípios defendidos por Maquiavel têm um certo alcance filosófico, inovando a concepção de mundo. Traduzindo de forma clara sucinta e diferença entre as classes sociais: governantes e governados.

As lições de Maquiavel são aplicadas atualmente por políticos, que muitas vezes declaram-se anti maquiavélicos, no entanto, aplicam de forma clara e aberta as normas do mestre. Estes são levados, única e exclusivamente pela necessidade que têm de assumirem o poder, tornando-se “chefes” das massas.

Assim: “Pode-se deduzir que Maquiavel pretende persuadir estas forças da necessidade de ter um “chefe” que saiba aquilo que quer e como obtê-lo, e de aceitá-lo com entusiasmo, mesmo se as suas ações possam estar ou parecer em contradição com a ideologia difundida na época: a religião. Esta posição política de Maquiavel repete-se na filosofia da práxis” (2).

Em suma o maquiavelismo, como a filosofia da práxis serviram para melhorar a forma de se fazer política. Embora a filosofia da práxis apresente um caráter revolucionário, isto não faz do maquiavelismo algo que precisa ser combatido.
Sendo Maquiavel um homem da política. Para ele, só existe dois elementos de existência real na política, que é a diferença entre governantes e governados, dirigentes e dirigidos. Isso implica na necessidade de um partido. Este que é o único meio de aperfeiçoar os dirigentes, sendo pois elemento fundamental para a direção das massas.

Para Gramsci o Partido Político é na época moderna o protagonista do novo príncipe. Partido esse, que tem a missão de fundar um novo tipo de Estado.

Entretanto, para se possa falar de partido político, faz-se necessário uma ação política coerente. Isso não se aplica aos paridos totalitários, que por representarem os interesses de um pequeno grupo social ou de um só indivíduo, não pode expressar a vontade geral.

Devido a isso, o partido totalitário perde o seu significado, incorporando o conceito abstrato de “Estado”. Já que não atende de forma satisfatória aos interesses da coletividade. Não desempenhando na prática funções políticas, os partidos totalitários, tendem a servir a propaganda da Ideologia Oficial, aos instrumentos de repressão (a polícia), a divulgar a moral e a cultura dominante.
Gramsci assinala dois tipos de partidos: o Primeiro constituído por um grupo de elite que dirige outros partidos afins, de acordo com a sua ideologia. O Segundo constituído pelas massas, alvo das manobras e pregações e de promessas imediatistas e “fantásticas”.

O Partido é o elemento que traduz a história de um País. Muito embora, na maioria das vezes, o mesmo possa representar apenas a história de um determinado grupo social, ao qual representa. Isso no caso dos partidos burgueses e totalitários.

Gramsci tratando acerca dos partidos políticos, constata que os grandes industriais não tendo um partido próprio, utilizam alternadamente todos os partidos existentes. Ao contrário dos grupos de agricultores que fazem parte dos partidos que reúnem os industriais, sendo que estes ao contrário dos industriais têm um partido permanente. Isso se dá, pelo fato de que. Tanto industriais como agricultores possuem interesses idênticos. Diferenciado-se apenas, no tocante a forma da organização. Os agricultores são “politicamente” melhor organizados, ao passo que os industriais não o são. Tais contrastes faz com que os partidos burgueses, formados por industriais e agricultores, tenham vida efêmera, surgem e desaparecem facilmente.

Tratando do “economismo” Gramsci percebe que tal doutrina deriva do liberalismo. Tendo, porém, algumas características da filosofia da práxis. Assim sendo, a ideologia da livre troca (Liberalismo) e o sindicalismo teórico (teoria da Práxis) são duas tendências antagônicas. Já que o liberalismo é composto por um grupo social dominante e dirigente. Ao passo que o sindicalismo teórico é constituído por um grupo subalterno, que permanece segundo Gramsci ainda na fase primitiva. Visto que o mesmo não adquiriu consciência da sua força e de suas possibilidades.

O Liberalismo (movimento da livre troca) apresenta alguns erros na sua formulação. Erros esses identificados na sua origem. Pois, sendo a atividade econômica própria da sociedade civil o Estado não pode deixar de intervir na sua regulamentação. Isto não passa de falácia. Já que na realidade fatual: sociedade civil e Estado – estão bem identificados, pois na sociedade moderna defendem os mesmo interesses.

“Portanto, o liberalismo é um programa político, destinado a modificar quando triunfa, os dirigentes de um Estado e o programa econômico do próprio Estado; isto é, a modificar a distribuição da renda nacional.” (3). 

Diante de tal fato evidenciado que , sendo o liberalismo uma doutrina dos grupos dominantes, só ele pode regular e comandar a sociedade civil e a sociedade política. Já que os interesses dos mesmos se confundem. Isto é, o sindicalismo teórico, por ser formado por grupos subalternos, está impossibilitado de torná-se grupo dominante e de transpor os limites de uma fase econômico-corporativo para torná-se um grupo Hegemônico dentro da ética-política na sociedade civil, passando então, a dominar o estado na sua totalidade.

Na verdade:”... O sindicalismo teórico não passa de um aspecto do liberalismo, justificado com algumas afirmações mutiladas e por isso banalizadas da filosofia da práxis.” (4).

Para Gramsci as relações de força dão-se em vários graus. A primeira relação dá-se no âmbito internacional, abordando a questão das potências, do agrupamentos dos estados em sistemas hegemônicos e do próprio conceito de soberania. Já a segunda relação de força dá-se no campo social, cujo objetivo tange ao grau de desenvolvimento das forças produtivas, as relações entre a política e o partido e as relações políticas de caráter imediatistas.

Tratando dos Partidos Políticos em época de crise orgânica,Gramsci constatou que:
“Num determinado momento da sua vida histórica, os grupos sociais se afastam dos seus partidos tradicionais, isto é, os partidos tradicionais com uma determinada forma de organização, com determinados homens que os constituem, representam e dirigem não são reconhecidos como expressão própria da sua classe ou fração de classe: quando se verificam estas crises, a situação imediata torna-se delicada e perigosa, pois abre-se o campo às soluções de força, à atividade de poderes ocultos, representados pelos homens providenciais ou carismáticas.” (5)

As crises provocam o afastamento de vários elementos dos quadros desses partidos, provocando, de certo modo, um clima contrastante entre as classes antagônicas, ou seja, entre os representantes e os representados por tais partidos.

Segundo Gramsci, tal crise não passa de crise de hegemonia ou crise do próprio estado em seu conjunto.

Mas a classe dirigente de tais partidos que ora se acham em crise, facilmente retomam o controle da situação. Estando bem preparada e organizada, a classe dirigente tradicional fecha os seus atuais partidos e organiza novos partidos. Ao passo que as massas por falta de capacidade de se organizarem, tornam-se alvos fáceis para as táticas das classes dirigentes.

As lutas entre as duas forças existentes dentro da estrutura orgânica de um país, podem provocar o surgimento de uma terceira força. Esta é, pois, representada por uma grande personalidade “Heroica”, no caso o cesarismo, que segundo Gramsci pode ter um significado tanto positivo, como negativo. Dependendo, porém, de seu caráter progressista ou reacionário. 

“O cesarismo é progressista quando a sua intervenção ajuda a força progressista a triunfar, mesmo com certos compromissos e medidas que limitam a vitória; é reacionário quando a sua intervenção ajuda a força reacionária a triunfar, também neste caso com determinados compromissos e limitações que têm um valor, um alcance e um significado diversos, opostos ao do caso precedente.” (6).

O fenômeno do cesarismo apresenta-se no mundo moderno de maneira diversa, isso dependendo do país e das condições históricas - políticas. Em alguns, seus governos são do tipo cesarista progressista. Em outros ocorre o contrário, o predomínio de um governo do tipo reacionário e conservador.

“Todavia, o cesarismo no mundo moderno ainda encontra uma margem, maior ou menor, de acordo com os países e o seu peso relativo na estrutura mundial, já que uma forma social sempre tem possibilidades marginais de desenvolvimento ulterior e de sistematização organizativa.” (7).

Tratando-se da luta política e da guerra militar, Gramsci faz uma distinção entre essas duas formas de lutas e das estratégias usadas para se deter o poder e a força do inimigo. Mais adiante ele apresenta o mecanismo ideal para que o novo governo possa conviver com as velhas instituições do novo estado. Justificando, porém, determinadas ações governamentais no que diz respeito à questão da burocracia e da unidade dos poderes constitucionais do estado.

Com relação a divisão dos poderes fica evidenciado que sua efetivação é resultado da luta entre a sociedade civil e a sociedade política, num certo período da história. Ficando, pois as forças em combate bem equilibradas. Visto que estavam em questão interesses de classes que defendiam uma mesma ideologia. Assim a Igreja e o Estado na luta pela hegemonia pelo poder político na Itália, procuraram fortalecer de todas as formas o controle sobre a vida política e a sociedade civil. Na realidade a divisão dos poderes foi de suma importância para o fortalecimento do liberalismo político e econômico.

Gramsci conclui suas considerações acerca do “Príncipe” de Maquiavel ressaltando que tal Príncipe na linguagem política moderna poderia ser entendido como um “chefe de Estado”, “Líder política” ou até mesmo como “Partido Político”. Na verdade para ele é o “partido político” que assume a função de hegemonia política, equilibrando os diversos interesses da sociedade civil. 


Antônio Gramsci. Maquiavel, a Política e o Estado Moderno. Rio de Janeiro, editora Civilização
(1) Antônio Gramsci. Maquiavel, a Política e o Estado Moderno. Rio de Janeiro, editora Civilização brasileira, 1991. p.6 - (2) Idem. p. 11 - (3) Idem. p. 32 - (4) Idem. p. 33 - (5) Idem. P. 54
(6) Idem. PP.63-64 - (7) Idem. P. 66


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