Gramsci
em suas notas sobre a política de Maquiavel, classifica o livro “O
Príncipe” como uma obra em que se fundem a ideologia política e a
ciência política. Ambas retratadas de forma fantástica e
artística, onde a razão incorpora-se a um governo, que segundo o
autor, nada mais é do que a vontade coletiva. Tal governo, encarna
em si um “mito” não um fantástico “deus” ou uma vil utopia,
mas uma fantasia concreta, criada com um fim único, o de representar
a vontade coletiva.
Assim, o
Príncipe representa, o governo ideal, elemento da razão concreta,
conduzido a necessidade do povo e o desejo do governante de se fundar
um novo estado.
Segundo
Gramsci: “O moderno Príncipe, o mito-príncipe, não pode ser uma
pessoa real, um indivíduo concreto; só pode ser um organismo; um
elemento complexo de sociedade no qual já tenha se iniciado a
concretização de uma vontade coletiva reconhecida e fundamentada
parcialmente na ação. Este organismo já é determinado pela
desenvolvimento histórico, é o partido político: a primeira célula
na qual se aglomeram germes de vontade coletiva que tendem a se
tornar universais e totais” (1).
Dai, a
importância do partido político no mundo moderno. Já que é nele,
que nasce a vontade coletiva. Rompendo, assim, de forma definitiva o
“mito” do governante do senso crítico.
O
Partido Político assume um papel importante, no que concerne a
representação da vontade coletiva. Assim, percebemos que não é no
sindicato profissional. Mas, na atuação política, onde entra em
jogo a ação prática, a realização da vontade coletiva.
Para
Gramsci o Moderno Príncipe tem um importante papel histórico, que é
o de propagar e organizar uma reforma intelectual, moral e econômica.
Na verdade, ele deve encarnar os anseios do povo; ter o poder de
conduzir o destino das massas.
Gramsci
analisando a Ciência Política, percebeu que ela deve ser concebida
no seu conteúdo concreto como um organismo em desenvolvimento. Por
isso, ele parte do materialismo histórico e do pensamento de
Maquiavel em relação “a questão da política, para chegar a tal
conclusão. Diferentemente do pensamento religioso e da moral cristã,
os princípios defendidos por Maquiavel têm um certo alcance
filosófico, inovando a concepção de mundo. Traduzindo de forma
clara sucinta e diferença entre as classes sociais: governantes e
governados.
As
lições de Maquiavel são aplicadas atualmente por políticos, que
muitas vezes declaram-se anti maquiavélicos, no entanto, aplicam de
forma clara e aberta as normas do mestre. Estes são levados, única
e exclusivamente pela necessidade que têm de assumirem o poder,
tornando-se “chefes” das massas.
Assim:
“Pode-se deduzir que Maquiavel pretende persuadir estas forças da
necessidade de ter um “chefe” que saiba aquilo que quer e como
obtê-lo, e de aceitá-lo com entusiasmo, mesmo se as suas ações
possam estar ou parecer em contradição com a ideologia difundida na
época: a religião. Esta posição política de Maquiavel repete-se
na filosofia da práxis” (2).
Em suma
o maquiavelismo, como a filosofia da práxis serviram para melhorar a
forma de se fazer política. Embora a filosofia da práxis apresente
um caráter revolucionário, isto não faz do maquiavelismo algo que
precisa ser combatido.
Sendo
Maquiavel um homem da política. Para ele, só existe dois elementos
de existência real na política, que é a diferença entre
governantes e governados, dirigentes e dirigidos. Isso implica na
necessidade de um partido. Este que é o único meio de aperfeiçoar
os dirigentes, sendo pois elemento fundamental para a direção das
massas.
Para
Gramsci o Partido Político é na época moderna o protagonista do
novo príncipe. Partido esse, que tem a missão de fundar um novo
tipo de Estado.
Entretanto,
para se possa falar de partido político, faz-se necessário uma ação
política coerente. Isso não se aplica aos paridos totalitários,
que por representarem os interesses de um pequeno grupo social ou de
um só indivíduo, não pode expressar a vontade geral.
Devido a
isso, o partido totalitário perde o seu significado, incorporando o
conceito abstrato de “Estado”. Já que não atende de forma
satisfatória aos interesses da coletividade. Não desempenhando na
prática funções políticas, os partidos totalitários, tendem a
servir a propaganda da Ideologia Oficial, aos instrumentos de
repressão (a polícia), a divulgar a moral e a cultura dominante.
Gramsci
assinala dois tipos de partidos: o Primeiro constituído por um grupo
de elite que dirige outros partidos afins, de acordo com a sua
ideologia. O Segundo constituído pelas massas, alvo das manobras e
pregações e de promessas imediatistas e “fantásticas”.
O
Partido é o elemento que traduz a história de um País. Muito
embora, na maioria das vezes, o mesmo possa representar apenas a
história de um determinado grupo social, ao qual representa. Isso no
caso dos partidos burgueses e totalitários.
Gramsci
tratando acerca dos partidos políticos, constata que os grandes
industriais não tendo um partido próprio, utilizam alternadamente
todos os partidos existentes. Ao contrário dos grupos de
agricultores que fazem parte dos partidos que reúnem os industriais,
sendo que estes ao contrário dos industriais têm um partido
permanente. Isso se dá, pelo fato de que. Tanto industriais como
agricultores possuem interesses idênticos. Diferenciado-se apenas,
no tocante a forma da organização. Os agricultores são
“politicamente” melhor organizados, ao passo que os industriais
não o são. Tais contrastes faz com que os partidos burgueses,
formados por industriais e agricultores, tenham vida efêmera, surgem
e desaparecem facilmente.
Tratando
do “economismo” Gramsci percebe que tal doutrina deriva do
liberalismo. Tendo, porém, algumas características da filosofia da
práxis. Assim sendo, a ideologia da livre troca (Liberalismo) e o
sindicalismo teórico (teoria da Práxis) são duas tendências
antagônicas. Já que o liberalismo é composto por um grupo social
dominante e dirigente. Ao passo que o sindicalismo teórico é
constituído por um grupo subalterno, que permanece segundo Gramsci
ainda na fase primitiva. Visto que o mesmo não adquiriu consciência
da sua força e de suas possibilidades.
O
Liberalismo (movimento da livre troca) apresenta alguns erros na sua
formulação. Erros esses identificados na sua origem. Pois, sendo a
atividade econômica própria da sociedade civil o Estado não pode
deixar de intervir na sua regulamentação. Isto não passa de
falácia. Já que na realidade fatual: sociedade civil e Estado –
estão bem identificados, pois na sociedade moderna defendem os mesmo
interesses.
“Portanto,
o liberalismo é um programa político, destinado a modificar quando
triunfa, os dirigentes de um Estado e o programa econômico do
próprio Estado; isto é, a modificar a distribuição da renda
nacional.” (3).
Diante
de tal fato evidenciado que , sendo o liberalismo uma doutrina dos
grupos dominantes, só ele pode regular e comandar a sociedade civil
e a sociedade política. Já que os interesses dos mesmos se
confundem. Isto é, o sindicalismo teórico, por ser formado por
grupos subalternos, está impossibilitado de torná-se grupo
dominante e de transpor os limites de uma fase econômico-corporativo
para torná-se um grupo Hegemônico dentro da ética-política na
sociedade civil, passando então, a dominar o estado na sua
totalidade.
Na
verdade:”... O sindicalismo teórico não passa de um aspecto do
liberalismo, justificado com algumas afirmações mutiladas e por
isso banalizadas da filosofia da práxis.” (4).
Para
Gramsci as relações de força dão-se em vários graus. A primeira
relação dá-se no âmbito internacional, abordando a questão das
potências, do agrupamentos dos estados em sistemas hegemônicos e do
próprio conceito de soberania. Já a segunda relação de força
dá-se no campo social, cujo objetivo tange ao grau de
desenvolvimento das forças produtivas, as relações entre a
política e o partido e as relações políticas de caráter
imediatistas.
Tratando
dos Partidos Políticos em época de crise orgânica,Gramsci
constatou que:
“Num
determinado momento da sua vida histórica, os grupos sociais se
afastam dos seus partidos tradicionais, isto é, os partidos
tradicionais com uma determinada forma de organização, com
determinados homens que os constituem, representam e dirigem não são
reconhecidos como expressão própria da sua classe ou fração de
classe: quando se verificam estas crises, a situação imediata
torna-se delicada e perigosa, pois abre-se o campo às soluções de
força, à atividade de poderes ocultos, representados pelos homens
providenciais ou carismáticas.” (5)
As
crises provocam o afastamento de vários elementos dos quadros desses
partidos, provocando, de certo modo, um clima contrastante entre as
classes antagônicas, ou seja, entre os representantes e os
representados por tais partidos.
Segundo
Gramsci, tal crise não passa de crise de hegemonia ou crise do
próprio estado em seu conjunto.
Mas a
classe dirigente de tais partidos que ora se acham em crise,
facilmente retomam o controle da situação. Estando bem preparada e
organizada, a classe dirigente tradicional fecha os seus atuais
partidos e organiza novos partidos. Ao passo que as massas por falta
de capacidade de se organizarem, tornam-se alvos fáceis para as
táticas das classes dirigentes.
As lutas
entre as duas forças existentes dentro da estrutura orgânica de um
país, podem provocar o surgimento de uma terceira força. Esta é,
pois, representada por uma grande personalidade “Heroica”, no
caso o cesarismo, que segundo Gramsci pode ter um significado tanto
positivo, como negativo. Dependendo, porém, de seu caráter
progressista ou reacionário.
“O
cesarismo é progressista quando a sua intervenção ajuda a força
progressista a triunfar, mesmo com certos compromissos e medidas que
limitam a vitória; é reacionário quando a sua intervenção ajuda
a força reacionária a triunfar, também neste caso com determinados
compromissos e limitações que têm um valor, um alcance e um
significado diversos, opostos ao do caso precedente.” (6).
O
fenômeno do cesarismo apresenta-se no mundo moderno de maneira
diversa, isso dependendo do país e das condições históricas -
políticas. Em alguns, seus governos são do tipo cesarista
progressista. Em outros ocorre o contrário, o predomínio de um
governo do tipo reacionário e conservador.
“Todavia,
o cesarismo no mundo moderno ainda encontra uma margem, maior ou
menor, de acordo com os países e o seu peso relativo na estrutura
mundial, já que uma forma social sempre tem possibilidades marginais
de desenvolvimento ulterior e de sistematização organizativa.”
(7).
Tratando-se
da luta política e da guerra militar, Gramsci faz uma distinção
entre essas duas formas de lutas e das estratégias usadas para se
deter o poder e a força do inimigo. Mais adiante ele apresenta o
mecanismo ideal para que o novo governo possa conviver com as velhas
instituições do novo estado. Justificando, porém, determinadas
ações governamentais no que diz respeito à questão da burocracia
e da unidade dos poderes constitucionais do estado.
Com
relação a divisão dos poderes fica evidenciado que sua efetivação
é resultado da luta entre a sociedade civil e a sociedade política,
num certo período da história. Ficando, pois as forças em combate
bem equilibradas. Visto que estavam em questão interesses de classes
que defendiam uma mesma ideologia. Assim a Igreja e o Estado na luta
pela hegemonia pelo poder político na Itália, procuraram fortalecer
de todas as formas o controle sobre a vida política e a sociedade
civil. Na realidade a divisão dos poderes foi de suma importância
para o fortalecimento do liberalismo político e econômico.
Gramsci
conclui suas considerações acerca do “Príncipe” de Maquiavel
ressaltando que tal Príncipe na linguagem política moderna poderia
ser entendido como um “chefe de Estado”, “Líder política”
ou até mesmo como “Partido Político”. Na verdade para ele é o
“partido político” que assume a função de hegemonia política,
equilibrando os diversos interesses da sociedade civil.
Antônio
Gramsci. Maquiavel, a Política e o Estado Moderno. Rio de Janeiro,
editora Civilização
(1)
Antônio Gramsci. Maquiavel, a Política e o Estado Moderno. Rio de
Janeiro, editora Civilização brasileira, 1991. p.6 - (2) Idem.
p. 11 - (3) Idem. p. 32 - (4) Idem. p. 33 - (5) Idem.
P. 54
(6)
Idem. PP.63-64 - (7) Idem. P. 66
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