Além
das intuições puras, Kant reconhece a existência de conceitos
puros ou categorias, que ele vai estudar na segunda parte da Crítica
da Razão Pura, na seção denominada de Analítica transcendental,
definida por ele como “a análise do uso puro do entendimento em
geral”. Essa análise há que seguir o caminho dos conceitos, de vez
que, além da intuição, não há outro modo do conhecimento humano
se realizar, senão por conceitos.
Um
conceito jamais é referido imediatamente a um objeto, mas a alguma
outra representação qualquer deste. Chamamos de “juízo” ao ato
do sujeito mediante o qual ligamos sempre um objeto a uma construção
mental preexistente. “Podemos reduzir todas as ações do
entendimento a juízos, de modo que o entendimento em geral pode ser
representado como uma faculdade de julgar” (Nº 94). Pensar,
portanto, é formular juízos.
Kant
classificou três tipos de juízos: os analíticos, os sintéticos a
priori e os sintéticos a posteriori. Juízos analíticos são
aqueles em que o predicado está contido no sujeito. Por exemplo, no
juízo “o espírito é imortal”, o conceito de imortalidade está
implícito no da espiritualidade, de modo que não será possível
pensar um sem o outro. Estes juízos não têm aplicação para a
ciência, porque não aumentam o conhecimento. Os juízos sintéticos
a posteriori são aqueles que provem da experiência, mas continuam
sempre vinculados a ela. São particulares e contingentes. Por
exemplo: “ Domingo choveu”, ou “Reiko é uma mulher japonesa”.
São juízos que enriquecem o conhecimento, pois o predicado não
está implícito no sujeito. Mas a sua particularidade impede o
aproveitamento científico deles, pois não há ciência de fenômenos
singulares. Juízos sintéticos a priori são aqueles que provêm da
experiência, mas podem ir além dela, tornando-se universais. Por
exemplo, no juízo matemático: “duas bananas mais uma banana é
igual a três bananas”, temos um conhecimento fornecido pela
experiência, mas que abstraído do caso concreto, duas coisas
quaisquer mais uma formam três coisas quaisquer, e isso se aplica
universalmente.
Kant
afirma que os juízos sintéticos a priori são os mais apropriados
para a ciência, pois além de terem ligação coma experiência,
alcançam o plano da universalidade. A matemática, na qualidade de
conhecimento modelar de abstração, e o campo científico onde os
juízos sintéticos a priori brotam com espontaneidade. Sua tarefa
seguinte será demonstrar como são possíveis os juízos sintéticos
a priori na física e se são possíveis na metafísica. Na
explicação deste último ponto, Kant apelou para os conceitos puros
do entendimento ou categorias.
O
uso do tempo “categorias” é explicitamente assumido por ele (nº
105) como um aproveitamento da filosofia de Aristóteles, na medida
em que seu objetivo, em princípio, se identifica com o do
Estarigita. Contudo, se em Aristóteles as categorias são modos ou
flexões do ser, captados pela mente, em Kant dá-se o inverso: é a
mente que traz as categorias e ajusta os seres a elas, através de um
movimento mental denominado “síntese”, de onde provêm os
conceitos.
Com
as próprias palavras de Kant (nº 103), definimos a síntese como “a
ação de acrescentar diversas representações umas às outras e de
conceber a sua multiplicidade num conhecimento”. E mais: a síntese
é “uma função cega, embora indispensável da alma, mas da qual
raramente somos conscientes”. Cabe ao entendimento a função de
relacionar essa síntese com com conceitos determinados,
produzindo-se aí o conhecimento em sentido próprio. A síntese é
pura, isto é aquela fundamentada num juízo sintético a priori,
levará a um conceito puro do entendimento ou categoria. Os conceitos
puros congregam o múltiplo da intuição numa unidade sintética.
Immanuel Kant
- Crítica da Razão Pura, (Os Pensadores), Editora: Nova
Cultural - 1991